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Homenagem a Filgueira - recordação de uma defesa de betão



Hoje quero aqui prestar homenagem a um grande jogador, talvez dos maiores que passaram pelo Belenenses, de seu nome Luis Carlos Filgueira. Depois da sua retirada dos relvados - este ano - muitos lembram já com saudade o seu contributo e a sua dedicação às nossas cores. Daí que, decorridos apenas alguns meses, nenhuma homenagem possa ser prematura, é antes parte de uma dívida, a dos sócios e dirigentes do Clube.
O meu impulso para esta homenagem foi porém “ajudado” por um encontro com o próprio Filgueira, do qual darei conta na conclusão deste artigo.
Vejamos agora um pouco (do que consegui apurar) da carreira futebolística de Filgueira, que encerra outros aspectos notáveis e dignos de qualquer repertório histórico do futebol português.

Luís Carlos Filgueira nasceu em Brasília, a 10 de Janeiro de 1967. Pouco sei sobre os seus primeiros passos no futebol, mas uma vez que o seu último clube no Brasil foi o Brasília Esportes Clube (rebaptizado para Brasília Futebol Clube em 1999) é possível que não tenha alinhado por outras equipas até ter chegado a Portugal.
Quanto à vinda para Portugal, aconteceu há... 16 anos! A 23 de Outubro de 1988 o “jovem” Filgueira (então com 21 anos) estreou-se pelo Desportivo de Chaves em jogo da 1ª Divisão contra o Académico de Viseu, em Viseu. Como curiosidade, ganharam os flavienses por 0-1. Como curiosidade também, saiba-se o GD de Chaves é um Clube resultante da fusão entre as filiais do Belenenses (“Os Flavienses”) e do Sporting. Mas por esta altura mal saberia ele...
Filgueira cumpriu 5 épocas no Chaves, ao longo das quais marcou 7 golos (1 a 2 por época). Por esta altura chegou a formar dupla de centrais com um tal de... Carlos Carvalhal (tem mais 1 ano de idade que Filgueira)!

A estreia em Portugal: Filgueira no Ac. Viseu - GD Chaves
de 1988 (é o primeiro à direita)
(fonte: Record)

Na época de 1992/93, porém, o Chaves foi relegado para a Divisão de Honra, de onde tinha vindo pela primeira vez em 1985/86 (foi a primeira estadia, a segunda ocorreu entre as épocas de 1994/95 e 1998/99).
Talvez devido a essa circunstância Filgueira foi para o Vitória de Setúbal, clube que representou nas épocas de 1993/94 e 1994/95 (com 1 golo marcado). Nesta última foi a vez de ver o Setúbal relegado para o escalão secundário.
Filgueira continuou no entanto na 1ª Divisão/Liga, desta vez para vestir as cores do Marítimo para a época de 1995/96 (onde marcou 1 golo). Como se viria a descobrir mais tarde, esta “transferência” não foi isenta de problemas. Ao que parece o Marítimo não chegou a pagar as verbas devidas ao empresário do jogador, questão que tem passado pelas instâncias desportivas e judiciais sem que se saiba de uma solução (eu pelo menos deconheço). Ainda em Dezembro 2003 foi ordenada a penhora das acções da SAD maritimista, dos veículos e do campo de treinos de Sto. António. Em Julho de 2004 o Tribunal do Funchal decidiu que não havia razão para a penhora, se bem que não se saiba se a dívida continua a existir ou não...
O que o Marítimo fez, isso sim, foi reclamar verbas ao Belenenses, que finalmente contratou Filgueira para a época 1996/97. Após várias voltas e insinuações maritimistas a Liga acabou por dar razão ao Belenenses em 2002. Recordo as palavras do então responsável da SAD azul, João Gonçalves: “O presidente do Marítimo disse que o Belenenses não pagava o que devia. A Liga deu-nos razão. Nós não temos de pagar os orçamentos do Marítimo. Quando quiserem dinheiro batam a outra porta.” E de facto, se era esta a fonte que o Marítimo desejava para pagar a sua dívida, bem a pôde esquecer.
Mas foi assim sob esta “sombra” que Filgueira se incorporou em 1996 no plantel azul às ordens de Quinito (já o conheceria das andanças de Setúbal?). Vivia-se então a “ressaca” da conturbada época Matias/João Alves. Sem querer aprofundar os contornos desta delicada crise, o facto (e é um facto!) é que o Clube ficou numa péssima situação financeira e sujeito a uma autêntica “sangria” de jogadores (também devido ao estado das finanças). Porquê e de quem foi a culpa, fica para outra altura.
O “êxodo” de jogadores em 1996 foi em todas as direcções e persistiu. Numa primeira instância saíram jogadores como Lula, Catanha, Ivkovic, Giovanella, Chiquinho Conde, Mauro Airez, Neves, Taira ou Tulipa.

Os tempos que se seguiram foram assim atribulados. Ainda em 1996/97 Vítor Manuel substituíu Quinito e o Belenenses acabou num pálido 13º lugar, sendo a 4ª equipa que mais golos sofreu. Curiosamente Filgueira conseguiu 4 golos nesta época.
Entrentanto e no centro da defesa o Belenenses “perdeu” um recuperado Paulo Madeira (então em grande forma) com a infamemente célebre manobra ilegal do Benfica.

Para 1997/98 sucederam-se no banco Stoicho Mladenov (saudoso) e Cajuda para tentar evitar o pior, a descida para a 2ª Liga. Em vão (se o primeiro treinador ainda era uma esperança, Cajuda já pouco pôde – ou quis, direi eu – fazer). Foi a pior classificação da história do Belenenses, em 18º (e último) lugar. Mais que os golos sofridos (52, com a 3ª pior defesa) pesou a completa ineficácia atacante (22 golos!). Filgueira, curiosamente, marcou 1 desses golos.

A época de 1998/1999 marcou assim a 3ª presença do Belenenses no escalão secundário ... e a primeira presença de Filgueira no dito escalão (ele que tinha escapado a tal sorte no Chaves e no Setúbal!). Para treinador veio Vítor Oliveira com a tarefa de devolver o Clube à 1ª Liga. Oliveira veio do Gil Vicente, de onde trouxe um jogador que viria a formar com Filgueira a autêntica “dupla-maravilha”: Wilson (em abono da verdade, “tripla-maravilha” com Marco Aurélio). Foi o início do verdadeiro apogeu de Filgueira no Belenenses.

Em 1999/2000 o Belenenses disputou assim de novo 1ª Liga, terminando no 12º lugar (mas com a 9ª defesa menos batida). Filgueira voltou a dar uma amostra da sua veia “goleadora”, com 4 tentos (durante a estadia na 2ª Liga tinha marcado 1).

Em 2000/2001 Marinho Peres assumiu o comando da equipa, terminando a época num razoável 7º lugar e, mais importante ainda, com a 3ª defesa menos batida (36 golos*)! A dupla de “trintões” (Filgueira com 34 e Wilson com 32) mostrava experiência e segurança para dar e vender, até podiam jogar de olhos fechados! Filgueira entretanto “só” pôde fazer o “gosto ao pé” em duas ocasiões...
* - Curiosamente, a última melhor época em termos de golos sofridos tinha sido 1995/96 (33 golos), com a tal "super-equipa" de João Alves. Antes dessa tinham sido 1988/89 e 1989/90 (35 e 33 golos, respectivamente), ainda com os resquícios da 1ª defesa de "betão" de Marinho Peres, com jogadores como Jorge Martins (depois o "gato" Mihaylov), José António, Sobrinho e Baidek (também Rui Gregório e depois Edmundo). Ainda Filgueira era um jovenzinho a jogar no Chaves...

Em 2001/2002 Marinho Peres levou o Belenenses mais longe ainda, conseguindo o 5º lugar. Curiosamente no decorrer desta época começou a fazer-se sentir a necessidade de encontrar “herdeiros” para Filgueira e Wilson (acabámos como a 9ª defesa menos batida). Filgueira, no entanto, fez ainda algumas das suas melhores exibições, acabando por levar ao extremo a sua “veia” goleadora, com 6 tentos! Durante algum tempo foi mesmo o melhor marcador da equipa...
Como exemplo recordamos uma goleada conseguida no terrendo do Varzim (5-1) em que Filgueira marcou 3 golos em 24 minutos!
Recordo também um outro episódio (desta vez infeliz), ocorrido em jogo com o Sporting em Alvalade (também aqui recordado aquando do último jogo). Jardel marcou 2 golos ao Belenenses tendo aparentemente “escapado” ao controlo de Filgueira. Pois é, Filgueira acabou esse jogo com o nariz fracturado. Porque será? Foi do guaraná?
Mais tarde Filgueira foi vital num outro resultado expressivo, uma vitória por 0-3 em Aveiro (não, dessa vez os aveirenses não marcaram 3 também). Foi um golo de Filgueira que “abriu a lata”. E tudo isto sem soçobrar minimamente na defesa, antes pelo contrário. Não só era uma autêntica “muralha de betão” (como chamou a imprensa) como ainda marcava golos!

Já em Abril de 2002 Filgueira renovou por mais uma época, deixando entender claramente que poderia terminar a carreira no Belenenses. O entendimento e o respeito do Clube por Filgueira eram (e continuaram a ser) totais. E o contrário, 200% verdade também: “é um clube onde sempre fui bem tratado e com boa saúde financeira”, disse ele.

Filgueira: 400 jogos no escalão máximo,
8 épocas de dedicação ao Belenenses
(fonte: Record)

2002/2003 foi uma época aziaga para Filgueira. E de grande – mesmo muito grande -sacrifício, deve-se dizer. Lesionou-se com bastante gravidade e mesmo assim fez inúmeros jogos (infiltrado). Muitos não se aperceberam desta circunstância e pensavam que se tratava somente de... estar “acabado”. Sabendo as condições em que estava, é da máxima justiça dizer que Filgueira muito fez. Só em Maio de 2003 veio a ser finalmente operado, tendo ficado inactivo para o resto da época. Entretanto já Manuel José estava no comando do Belenenses. A título de curiosidade, Filgueira “apadrinhou” a estréia de um jovem companheiro na defesa, Gonçalo Brandão. A diferença de idades era de apenas... 20 anos! Quando Filgueira se estreou em Portugal o Gonçalo tinha pouco mais de um ano...

Filgueira renovou mais uma vez em Maio de 2003, adivinhando-se já uma despedida em 2004. Em finais de 2003, porém, Filgueira sofreu nova lesão no joelho, regressando já só em Março de 2004. No Belenenses já estava Inácio como treinador, depois da saída de Manuel José e da fugaz passagem de Bogicevic.
Felizmente Filgueira regressou ainda a tempo de deixar marca na história do futebol português: em 5 de Março de 2004 (contra o Porto) tornou-se no primeiro estrangeiro (e décimo jogador no total) a alcançar os 400 jogos na 1ª Divisão/Superliga, ao fim de 16 épocas. Um record notável!

E assim chegamos ao momento de concluir este artigo com base na conversa que mantive com o próprio Filgueira há dias. Antes do mais, assinalo que foi uma grande honra conhecê-lo pessoalmente (por acaso ainda não o tinha conseguido). E uma vez mais, demonstrou a sua tremenda simpatia e uma afabilidade exemplar.
Aproveitei para desfazer as dúvidas com que nós ficámos após a sua retirada. Por onde andava? Continuaria ligado ao futebol?
Soube então que continuava a viver em Lisboa (embora houvessem indicações em contrário), tendo decidido afastar-se completamente do futebol porque... “foram muitos anos!”. Mesmo o convite para treinar os mais jovens não o seduziu...
De facto, só em Portugal foram 16 anos a deixar o suor em campo. Está na hora de gozar a vida fora do “gramado”, bem o merece!
Tal como pude fazer em pessoa (para além do autógrafo da praxe), quero aqui desejar muitas felicidades ao nosso Filgueira, agradecendo sinceramente tudo o que fez com a nossa camisola, que muito honrou.

Não queria terminar sem esclarecer exactamente o propósito desta homenagem. Não foi completamente “inocente” da minha parte recordar um grande defesa numa altura em que a nossa defesa vive dias complicados, mas foi mais uma coincidência (isto porque este artigo já estava em grande parte preparado há 2 semanas). Não quero portanto menosprezar os actuais jogadores, mas tenho pena que o Filgueira não esteja lá (com o Wilson) a ajudar à formação do Pelé e sobretudo do jovem Rolando. Pessoalmente acho que são dois jogadores com qualidades extraordinárias e que a “culpa” do actual momento só em pequena (muito pequena) parte lhes pertence. Por um lado Pelé vem de uma época em que jogou quase sempre (e muito bem) a trinco. Por outro, Rolando é mesmo jovem. Mas atenção, quem sofre os golos é a equipa, não são só os defesas e o guarda-redes. O que faz falta é que a equipa saiba defender melhor (para que Pelé e Rolando não tenham que lidar com catadupas de cantos e centros, por exemplo). Aqui passo a palavra ao “mister”. Novamente e por sua vez a “culpa” talvez não seja só deste, mas a solução será, com certeza absoluta. E tem meios para isso, vamos lá acreditar! Ainda vamos ter uma defesa de betão, em nova edição. Já não vai ser com Filgueira (aliás era curioso Carvalhal treinar um ex-colega praticamente com a mesma idade!)...



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