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As contas de 2004



Hoje vou aproveitar a proximidade de mais uma Assembleia Geral Ordinária do Clube e a divulgação do Relatório e Contas de 2004 (que será um dos pontos de discussão da AG) para fazer uma análise “ligeira” deste último documento, descartado por muitos como um objecto estranho e insondável (ou até irrelevante). Naturalmente não me arrogo de ser, nem de perto nem de longe, um especialista. Mas considero que o Relatório e Contas deve ser mais o fiel espelho de como vai a vida da instituição, reflectindo forçosamente as perspectivas e projectos de quem comanda o Clube e o respectivo desempenho.
Por outro lado, todos nós sabemos que existem inúmeras maneiras de “jogar” com os números, quanto mais não seja pela sua forma de apresentação, mas não deixam de ser indicadores concretos e na sua maioria incontornáveis. Vamos então a isto.

Antes do mais cumpre assinalar que o Relatório e Contas em causa é respeitante ao Clube de Futebol “Os Belenenses”, não inclui a actividade da nossa SAD para o futebol nem a actividade da Belém SGPS. Não é portanto o “retrato” de todo o universo “azul”.
Essa separação porém, sendo perfeitamente lógica e justificada, permite-nos focar com uma maior atenção áreas que, não sendo relacionadas directamente com o futebol (para mim a actividade “rainha” do nosso universo), têm tido desde sempre uma preponderância considerável na vida do nosso Clube. Falamos sobretudo das outras modalidades mas também do Complexo Desportivo em Geral.

Situação Geral do Clube

À semelhança do exposto para 2003, a primeira referência vai para o persistente agravamento da situação económica do país, algo que merece pouca discussão.
Mas recordemos estas considerações do Relatório de 2003:
“Esta situação [a crise económica], amplamente prevista e diagnosticada, exigiu do Clube a elaboração e a aprovação de um plano de acções que procurasse reduzir o impacto desfavorável das diversas variáveis macroeconómicas.”
Veremos em seguida e com base no relatório de 2004 quais foram as acções e as consequências.

Relativamente à continuação da política de estabilidade financeira, à remodelação do Complexo Desportivo e à dinamização das modalidades, creio que de facto foram atingidos os objectivos propostos. Sobretudo em relação aos dois primeiros pontos, creio que uma vez mais estão de parabéns os responsáveis.
È também referida uma vez mais a contribuição bem positiva do Bingo (o que não deixa de ser curioso, pois a “crise” parece não afectar o negócio do “jogo”).

Este apartado pouco mais refere em 2004, mas considero importante “recuperar” uma consideração interessante do Relatório de 2003:
“(...) embora as receitas de quotização não tenham atingido os montantes orçamentados, mesmo tendo em conta o baixo valor da quota mensal. Por isso, e de forma a custear o funcionamento de um Clube com a nossa dimensão, a Direcção foi obrigada a pedir em Assembleia-Geral o aumento do valor das quotas, em proposta que foi aceite e entrou em vigor em Janeiro de 2004.”
Veremos adiante qual a validade dessa análise e das medidas tomadas.


Análise Económica e Financeira

O primeiro destaque deste apartado vai para a valorização do Imobilizado, ao ter sido concluída a reformulação do Complexo Desportivo. O valor referido, porém, refere-se à globalidade do projecto (incluindo as realizações de 2003). Nada a assinalar, salvo a obrigatória análise de impacto nos passivos, a que se dá destaque em seguida.

Olhando para os montantes de dívidas, constata-se o que é referido pela Direcção, parecem efectivamente controlados.
As dívidas a médio e longo prazo para com o Estado, respeitantes salvo erro ao cumprimento da Lei Mateus, verificaram um decréscimo de 65 mil Euros, valor constante, idêntico ao de 2003. Desta forma e dado que o montante total em dívida ascende a 284 mil Euros, não vejo problemas quanto ao cumprimento do compromisso assumido, se necessário de forma antecipada (antes de 2010).
Quanto às dívidas fiscais de que tanto se fala agora e como o Luís ontem referiu, dizem respeito em primeiro lugar à quebra das receitas do Totobola, que deveriam cobrir essas mesmas dívidas (anteriores a 1996). A “falha” em causa segundo o Ministro é de 20 Milhões de Euros (a dívida inicial, salvo erro, seria de 55 Milhões de Euros), que suponho eu logo fez um “rateio” desse valor remanescente tendo em conta as dívidas originais. Desse cálculo saíu o Belenenses como um dos maiores "devedores", com 1.9 Milhões de Euros. Porém e como parte do acordo, compete agora à Liga e à Federação resolver o embróglio. Prevê-se um longo “braço-de-ferro” até que a questão possa ter consequências para os clubes, se é que vai ter. Dou razão aos clubes quando dizem que o Totobola tem sido cada vez mais desprezado, embora duvide das formas como isso poderia ser contrariado. Por outro lado dou razão ao Ministro quando no fundo quer concretizar algo que ficou estipulado. Como contribuinte sem “abébias”, sou pelo “pague-se o que se deve”.
Mas como Belenense acho que neste caso temos de ir... na onda. Fica no entanto o valor considerável (e já parcialmente reduzido, não esqueçam!) como recordatório das gestões ruinosas que quase levavam o Belenenses à desgraça final e completa. O valor está lá desde 1996 e não mente, por muito que se tente atribuir culpas a sei lá quem. A responsabilidade é de quem a tinha, por muito Belenense que seja e por muitos charlatões que os tenham enganado.

No meio de tudo isto, porém, eis que o Ministro tirou mais um coelho da cartola, encontrando dívidas não abrangidas pelo Totonegócio que supostamente ascendem a 8 Milhões de Euros, cabendo – também supostamente – uma “fatia” de 75 mil euros ao Belenenses. Este valor (o nosso) não é de todo preocupante, mas não deixa de ser caricato que estas dívidas tivessem estado quase 9 anos na “gaveta”, passando ao lado de vários Governos e do próprio Ministro até esta altura.
Em resumo, não me parece que o Belenenses tenha grandes motivos para preocupações. Ou pelo menos que sejam maiores do que as que tinha desde 1996 (aí sim, a coisa estava difícil).

Noutras rubricas destaca-se o aumento significativo dos valores a nos serem reembolsados pelo IVA. Em termos de dinheiro “vivo” (disponibilidades), a “folga” continua moderada, com um aumento de cerca de 251 mil Euros.

No meio disto tudo e voltando à reformulação do Complexo Desportivo, verifico, como esperado, que os apoios financeiros foram adequados e aparentemente suficientes. Uma vez mais, os parabéns para esta que foi, quanto a mim, a maior realização de 2004.

Olhando agora para as contas de resultados, registou-se um agradável acréscimo das receitas brutas (20%, contra 5% em 2003). Nesse sentido e retomando os objectivos principais, de estabilização em contra-ciclo, estamos conforme.
Constata-se que o Bingo, uma vez mais, é a “vaca leiteira”, sendo responsável em boa medida pelo aumento das receitas e mantendo com pouca variação a sua quota no total.

Quanto às receitas das modalidades amadoras, foram de 908 mil Euros, contra 1.1 Milhões de Euros em 2003. E aqui tenho várias interrogações. Desde logo e dado que foram criadas e dinamizadas mais secções, porque é que se registou um decréscimo de cerca de 190 mil Euros nas receitas? E sobre estas receitas, qual a sua descriminação? Esta é, a meu ver, parte de uma das falhas do nosso Relatório, a que voltarei adiante.

Quanto às receitas de quotização, mantiveram-se praticamente inalteradas. Isto demonstra que as intenções de 2003, concretizadas num aumento de quotas em Janeiro de 2004, ficaram aquém do esperado. Já na altura foi uma medida discutível, assente em pressupostos duvidosos. Era um facto que as nossas quotas, comparando com as da concorrência, não eram especialmente “pesadas”. Mas tendo em conta o que a própria Direcção referiu nos Relatórios (de 2003 e 2004), não é no meio de uma crise económica (E DESPORTIVA, acrescento eu) que se pode esperar aumentar as receitas com aumentos “cegos” de preços sem esperar um decréscimo no número de associados. Se as quotas careciam de actualização, foi o momento errado para a fazer. O resultado não deixa dúvidas, as receitas mantiveram-se e o número de associados diminuiu. Agora já somos outra vez menos de 20 000...

Do lado das despesas líquidas é salientada no Relatório a aquisição de bilhetes à SAD do futebol em cerca de 2.1 Milhões de Euros, contra 2 Milhões de Euros em 2003. Nisto há vários aspectos curiosos.
Em primeiro lugar e segundo posso pressupôr, o Clube é o principal “cliente” da nossa SAD. Mas em segundo lugar é também o principal devedor, em virtude da dívida decorrente do aumento de capital. O facto de se recorrer à compra de bilhetes para “financiar” a SAD é justificado e em parte mais produtivo que a “simples” amortização da dívida Clube-SAD, na medida em que a SAD recebe fundos na mesma e o Clube pode dinamizar as assistências nos jogos pela oferta de convites (creio que seja esse o destino dos bilhetes adquiridos). Infelizmente tal não tem tido resultados satisfatórios.

No que concerne às restantes despesas, deparei-me este ano com uma omissão, dado que não é referida a variação das despesas com as modalidades, que em 2003 totalizou 1.8 Milhões de Euros. Considerando que o total da despesa aumentou em cerca de meio milhão de Euros, excluidos outros custos (como as amortizações do imobilizado) e considerando que o financiamento à SAD se manteve estvável, poderemos pressupôr que o incremento em causa não andará muito longe dos 0.5 milhões de Euros. Considerando que as receitas das modalidades amadoras decresceram (de 1.1 Milhões para 0.9), apura-se um déficit de 0.7 Milhões de Euros. De certa forma isto não é surpreendente, uma vez que na última AG já foi assinalado pelo Presidente que o investimento nas modalidades “amadoras” havia sido incrementado para além do que seria a auto-suficiência, sendo segundo ele uma necessidade para manter o “ecletismo”, não havendo que olhar a lucros.
É certo que num Clube como o nosso e num “ecletismo puro” a prática do desporto poderá estar acima do lucro, se bem que não possa arruinar os cofres do Clube, mas não é bem o caso. O que questiono é o “ecletismo” assente em modalidades “amadoras” que não o são, competindo em pelo menos 3 campeonatos profissionalizados (sobretudo o Basquetebol e o Andebol) e onde afinal o objectivo é ganhar títulos e não a “mera” prática do desporto. Para mais quando a significância dos feitos desportivos nessas modalidades têm forçosamente muito menos impacto que as vitórias no futebol. Mas isto são pensamentos que guardarei para outra altura, pois são relevantes no âmbito das eleições vindouras e não numa AG que fechará um ciclo de uma Direcção que sempre deixou bem claros os seus princípios orientadores (e fez muito bem em fazê-lo, aí dou o mérito). Só espero que deixe também claros os números subjacentes.

Para terminar a componente financeira, deixo aqui algumas das questões que tenho vindo a colocar desde há alguns anos.
Da quotização obtida, quanto cabe aos sócios “futeboleiros”? E dos sócios “piscineiros” (sem ofensa)? E dos sócios-atletas de outras modalidades? E dos sócios-espectadores de outras modalidades?
Para quando a apresentação de contas por centros de custos, isto é e para não complicar, das contas de cada modalidade, sobretudo quando temos 3 que competem em campeonatos altamente profissionalizados? Não é assim com o futebol?
E sobre a tão propalada Bingo-dependência, sendo verdade que o futebol representa 30% da despesa total do Clube mas por outro lado tem a haver um montante significativo do próprio Clube (curiosamente não especficiado)... afinal o que é que depende do Bingo? É o Belenenses do futebol ou o Belenenses "eclético"? E o projecto Imobiliário, uma das medidas previstas (e muito bem) para a eventual “queda” do Bingo, vai ser a dependência de quem?

Para 2005 preocupa-me a questão do referido adiamento do Projecto Imobiliário, por motivos “burocráticos”. Será a Associação de Moradores? Se sim, que diligências vão ser tomadas para superar esse obstáculo?
E quanto aos sócios e quotização, dada a ineficácia (previsível) das medidas tomadas, o que será feito em 2005?
Mas enfim, e repetindo, algumas destas questões serão mais relevantes para os candidatos que se perfilam do que para quem agora termina o mandato. Para esta AG porém considero que seria importante esclarecer o que foi feito em 2004, embora não hajam questões demasiado controversas.

Outras Considerações

Para fechar um saldo global e não olhando agora só para as contas, realço o trabalho levado a cabo em certas áreas.
As Filiais e Núcleos tiveram uma dinamização notória, tendo sido reorganizadas, em primeiro lugar, com a “conversão” das delegações em filiais e da figura das “casas” em núcleos. Em segundo lugar foram admitidas 4 novas filiais e 2 novos núcleos. Já há algum tempo que esta atenção era merecida. Muito mais haverá por fazer mas, de novo, deve ser assunto para os candidatos.
Sobre o Complexo Desportivo, já aqui disse, foi uma realização ímpar e que, pelos vistos, não hipotecou em nada o futuro do Clube, ao contrário de outras obras.
Outras felicitações são devidas pelo dinamismo do Portal da Internet, a remodelação da Sala dos Troféus e a inauguração – por fim – do Lar para jovens futebolistas (leram bem , futebolistas!).
Quanto às modalidades em si, já aqui disse... sou futeboleiro convicto. Não me passam ao lado as vitórias de muitos atletas que conseguem vitórias muitas vezes com o apoio... do seu próprio bolso. São as modalidades “amadoras” puras.
Já tinha ouvido falar da suspensão da patinagem, parece que se passou o mesmo com o hóquei em campo. Por outro lado e mesmo com a remodelação do Complexo continua a ser notória a falta de recintos para tantos praticantes de tantas escolas. Afinal o nosso “ecletismo” estará tão bem assim? Ou interessa mais competir com o Benfica, o Sporting e o Porto noutras modalidades (já que no futebol a coisa está bera)? E mesmo sobre as assistências nessas modalidades, quais foram as medidas para chamar gente?
Também é com muita pena que não vejo neste Relatório a notícia de uma resolução satisfatória do “caso” das Salésias. E não vejo porque o final já foi, e a meu ver, foi infeliz. Poderia ser mais um espaço para os nossos atletas (que faz falta, como vimos).
E o merchandising, por onde andou em 2004? Não vi qualquer menção, salvo erro. É ou não (ainda) responsabilidade do Clube, ainda que concessionada a exploração da marca? Quanto foi o valor recebido da concessão?

E os cortes e reatamentos de relações instituicionais, não deveriam ser, como no passado, sujeitos ao escrutínio da Assembléia Geral? E a abertura de novas modalidades?

Enfim, existem mais questões e muito mais que dizer sobre as que foram referidas mas, novamente, estamos com candidatos à porta e estamos a falar do Clube e não do universo “azul” como um todo (incluindo SAD e SGPS).
Por outro lado a imensa falta de tempo levou a que tivesse de deixar alguns aspectos de parte ou mal-organizados. Este artigo justificou-se em virtude da AG, não concorrendo com a sequência de textos destinados às eleições que estão na forja.

O fim de um ciclo, o início de uma nova era?

Para terminar de vez, creio que são devidas algumas palavras para a Direcção cessante (sendo esta a sua última AG), independentemente do facto de podermos vir a ter os mesmos intervenientes com posições trocadas num futuro elenco. Porém e no que toca ao Presidente Sequeira Nunes, dado apresentar-se como candidato a Vice-Presidente da Assembleia Geral (e mesmo seja a lista que integra a vencer), deverá terminar por aqui um ciclo marcado pelas suas idéias e orientações, ficando concerteza afastado das principais decisões.
A meu ver foi uma decisão sensata. Sequeira Nunes sempre revelou um misto de determinação e obstinação, essencial para alguns objectivos fundamentais (como a estabilização financeira), prejudicial para outros (como a organização do nosso futebol). Por isso creio que é justo dar-lhe muito crédito por ter continuado com a política de prudência que levou a que o nosso Clube se afastasse de vez do buraco financeiro-económico onde se tinha metido, política essa iniciada por Ramos Lopes. Muitos discordarão da importância ou até da validade deste trabalho (quer em relação a Sequeira Nunes que em relação a Ramos Lopes), mas no meu caso e desde sempre estou e estarei grato (aos dois).
Mas se as fundações ficaram, muito ainda ficou por fazer, pois é óbvio que o Belenenses não chegou ainda onde quer estar, não chegou onde DEVE estar. As reviravoltas e indefinições em torno do futebol, condimentadas com uma relutância mais emotiva que racional quanto ao profissionalismo, quase levaram a nossa principal equipa (a de futebol, pois claro) a uma nova descida de divisão. Foi preciso aguardar pelo fim do último mandato para ver algumas alterações mais consentâneas com as necessidades e vicissitudes do futebol de hoje.
Sem ofensa, a visão de Sequeira Nunes é em boa parte a da “velha guarda”, bem personificada pelo cessante Presidente da Assembleia Geral, o Major Baptista da Silva (a quem o Clube muito deve também, mas cujo “ciclo” também poderá terminar). Profissionalismo não. Mais ecletismo sim. Assim sendo o facto do nosso futebol continuar por baixo (pelo menos em 2004) e o facto de aumentarmos o número de amadoras tem interpretações distintas da minha parte em relação ao que é a visão daqueles ilustres dirigentes.
À luz dos seus princípios, gostaria porém que continuassem atentos à vida do Clube, pois a sua experiência é incontornável. Montem “guarda” ao património do Clube e ao respeito pelos que vestem a nossa camisola por amor ao Clube. Contudo têm de deixar as novas idéias e o sangue novo entrar no Clube, não para dinamizar esta ou aquela amadora, mas para dinamizar O CLUBE. Tal perspectiva não é compatível com ingerências ou directrizes rígidas sobre o que cada Direcção pode ou não fazer, ou sobre quem pode ou deve candidatar-se a essa Direcção. O Clube tem de evoluir e o futuro tem de estar nas mãos de quem vem a seguir, sem cânones, dogmas ou "nomenklaturas".
Não podemos ficar contentes com as saídas dos buracos (a que inexplicavemente – ou não – voltamos de vez em quando).



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