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A boa sobrevivência



A propósito do título de uma entrevista com o Dr. Sequeira Nunes no Record, «Mudou quase tudo...», fiz uma pequena reflexão sobre o passado recente do Belenenses e recordei-me dos meus primeiros passos no clube.

Lembro-me de no final dos anos 70, ter uma bandeira com um pau maior que eu e agitá-la em pé, com todas as minhas forças, em cima da bancada de imprensa no Estádio do Restelo, muito composto e com os deficientes nas motas perfeitamente alinhados na pista de cinza à minha frente.
Era uma alegria tremenda, depois de o árbitro, fiscais de linha e equipa adversária já estarem em campo, ver os jogadores, de 1 a 11, do meu Belenenses, entrarem no relvado, a correr ao som do hino.
Adorava aqueles Domingos que quinzenalmente faziam repetir a minha emoção, de pela mão do meu pai, ir assistir a mais um jogo do Campeonato Nacional da 1ª Divisão.

Hoje em dia, muita coisa está diferente.
Os “motards” desapareceram, as bandeiras com haste de madeira já não são permitidas, os jogadores com números de 1 a 99, já não entram a correr, mas sim num passo acertado e alinhado com as equipas adversária e de arbitragem, esta composta agora por quatro árbitros.
A bancada de imprensa mudou-se para a central nascente, a pista é sintética, o Estádio tornou-se mais bonito, com mais uma bancada coberta, cheio de cadeiras mas com muitos mais lugares...vazios. Até a bancada sul disfarçaram para não dar um ar tão desolador. O campo de treinos está relvado, há um outro sintético e contiguamente ao pavilhão foram construídas umas piscinas já muito faladas na altura.
Os jogos já raramente são ao Domingo, a competição agora chama-se Superliga, eu já não vou com o meu pai porque passei a encontrar-me lá com ele, e se não for a horas impróprias para uma criança de 4 anos, já levo o meu filho mais velho de vez em quando, para aprender desde cedo, o que é pertencer à família azul.

Em resumo, no futebol, o “core-business” do clube, em 25 anos descemos várias vezes de divisão, coisa nunca vista nem sonhada, alcançamos um terceiro lugar no Campeonato, umas presenças esporádicas na UEFA, uma vitória na Taça de Portugal e uma final perdida. Pelo meio, meia dúzia de internacionais que nunca se afirmaram minimamente na Selecção.
O FC Porto descolou verdadeiramente, com todos os títulos nacionais e internacionais que se lhe conhecem, o Boavista, para além de nos ultrapassar em número de vitórias na Taça de Portugal, foi campeão nacional e fez alguns brilharetes na UEFA e o Sporting de Braga, o Vitória de Guimarães e o Marítimo, consolidaram a sua presença junto dos primodivisionários e a sua candidatura permanente aos lugares cimeiros.
Perdoem-me o comentário para tudo isto: MUITO MAU! PÉSSIMO!

Nas restantes modalidades, destacam-se um campeonato de andebol que já não era do Belenenses há muito tempo e uns campeonatos de râguebi. Quanto á criação e recriação de modalidades, subidas de divisão e alguns títulos nas amadoras, nada de inigualável ou de extraordinário e que me suscite especiais comentários.

De facto, constata-se que quase tudo mudou.

Mas não mudou o hino, que continua com o mesmo som vinílico, ressequido e antiquado que já tinha naquela época, não mudaram as cores e os símbolos e sobretudo não mudou a esperança e a ambição de todos os sócios (os verdadeiros, não aqueles que o são porque o filho quer ir à piscina) de VOLTAR A SER O GRANDE CLUBE que em tempos, ombreava em tudo com Benfica e Sporting.

O Belenenses perdeu o estatuto de grande, não porque tenha deixado de ser o quarto clube com mais pergaminhos, mas porque se distanciou muitíssimo dos outros três e viu outros aproximarem-se e alcançarem vários feitos tidos como impensáveis. E logo numa época em que o desporto se transformou brutalmente, não só a nível nacional como internacional.
A comunicação social (ou como é bem nos tempos que correm: os media), transformou o fenómeno desportivo, em especial o futebol, num negócio próspero, dos maiores do mundo, que mudou para sempre os clubes e que definitivamente fez e ainda faz separar os que querem continuar a ser associações de carácter lúdico e de utilidade social e desportiva e os que querem ser empresas desportivas preparadas para triunfar, lucrar e reinvestir em busca de permanentes vitórias.
Para isso, apareceram as SAD’s e é por aqui que se faz toda a diferença.

Clubes como o meu Belenenses, têm que, de uma vez por todas, redefinir a sua missão e projectar as estratégias necessárias para o que se vai fazer nos próximos anos e nada melhor do que esta altura de eleições para se reflectir e se decidir o que se quer para o futuro.

Nesta altura só há duas soluções que devem ser consideradas.

Uma é continuar a promover o ecletismo, mantendo em alta competição o andebol, o basquetebol, o futsal e o râguebi e subsidiando mais uma série de amadoras que trazem títulos de vez em quando, mas que deixam fugir os melhores atletas sem disso se ver quaisquer contrapartidas.
Manter o futebol como estas actividades, ou seja, lutar por consolidar a presença na Superliga, ficar feliz com um quinto ou sexto lugar e de vinte em vinte anos com uma Taça de Portugal, apostar aqui e ali num ou noutro jogador das camadas jovens que consiga entrar no plantel principal e jogar com duas a três mil pessoas a assistir.
Fazer obras nas instalações desportivas quando a degradação começa a ser insuportável, com alterações e melhorias pontuais conforme as necessidades. Ir modernizando aos poucos a estruturas, à medida do que se vai tornando obrigatório.
Tudo isto claro, enquanto o Bingo for dando para sustentar a máquina, tradicionalmente pesada, conduzida por grandes belenenses, é certo, mas que o fazem condicionados pela sua vida profissional, conforme vão tendo mais ou menos disponibilidade e pondo em causa muitas vezes a estabilidade da sua vida pessoal e familiar.
É a solução do «ter tudo, mas sem poder em nada».

A outra solução é focalizar o máximo de investimento e das estruturas físicas e humanas no FUTEBOL, como mola impulsionadora de todo o clube, profissionalizando a gestão a partir do Presidente do clube, definindo e acompanhando os objectivos propostos com uma linha de vice presidentes e directores curta e responsável.
Apostar seriamente na formação de jovens para serem a base da equipa principal e potenciar mais valias com a venda dos passes, criando rapidamente para isso uma academia ou centro de treinos, o mais perto possível do Estádio.
Projectar a ambição para a luta permanente dos lugares cimeiros da classificação, para consolidar a presença em provas europeias e atingir regularmente o patamar mínimo das meias finais da Taça de Portugal.
Redefinir o futuro do Estádio do Restelo para os próximos anos, rentabilizando ao máximo as infra estruturas disponíveis, desde as piscinas até aos terrenos, abandonando tudo o que possa prejudicar financeiramente o clube e criando alternativas sólidas ao Bingo, seriamente ameaçado pelo Casino de Lisboa.
Pôr à consideração dos sócios a escolha de uma e só uma modalidade para se investir forte e lutar para ser campeão. Todas as outras, ou são totalmente independentes financeiramente ou findam a sua actividade.
Apostar seriamente nas novas tecnologias (site oficial, cartões, marketing e merchandising, controlo de entradas, pagamento de serviços, etc) e pô-las ao serviço dos sócios e dos adeptos, bem como criar e dinamizar produtos aliciantes para venda de ingressos a fim de aumentar muitíssimo as assistências e acabar com a agonia dos vinte mil lugares vazios.
Enfim, modernizar e profissionalizar ao máximo, tornar a SAD na verdadeira máquina do clube, leve e dinâmica, sem desprezar os grandes belenenses cuja contribuição continuará sempre a ser indispensável.
É a solução do «ter só o que é verdadeiramente importante e com poder».

O Belenenses tem que ser arrojado, moderno, dinâmico, inovador e empreendedor. Não me esqueço nunca que fomos os primeiros a ter um campo relvado em Portugal, ou que fomos os primeiros a ter um estádio com duas bancadas cobertas ou ainda que fomos pioneiros a trazer grandes treinadores para Portugal.

Tenho seríssimas dúvidas se alguma das listas, que no próximo dia 9 de Abril vão a sufrágio, terá capacidade para fazer esta distinção clara e objectiva do que deve ser o futuro do Belenenses, mas guardo a esperança sincera de que a tenham.

E já agora que escolham a segunda opção, não só porque é a minha, mas sobretudo porque se trata, em minha opinião, de uma questão de sobrevivência, ou se quisermos, de BOA SOBREVIVÊNCIA, porque o Belenenses nunca morrerá.

Saudações belenenses

Nuno de Almeida Costa
Sócio nº 3974

Nota: os negritos e os itálicos são da responsabilidade do editor



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