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Taça de Portugal de 1989: um aniversário a recordar - parte II




O testemunho de

Não estive presente no jogo da final da Taça de 1989! À distância destes anos que agora nos separam desse dia de glória belenense, sinto o incómodo (será talvez remorso?) pelo vazio que a decisão que nesse dia tomei me deixou.

Tinha ido ao Jamor, uns anos antes, assistir a uma final da Taça em que o nosso Belenenses defrontou o mesmo adversário (que neste caso é também inimigo) e perdemos por 2-0. A recordação da tristeza, desolação, direi mesmo raiva, que senti, levou-me a tomar a decisão de não ir ver o jogo de 28 de Maio de 1989. Como ouvi uma vez Acácio Rosa dizer, ninguém tem vocação para sofrer. É verdade, nem eu, mesmo sendo do Belenenses, tenho vocação para sofrer.

Um pouco mais de coragem, que não de amor ao Belenenses, porque esse é infinito, e teria ido. Mas não fui. Por isso, apesar da marca indelével que a última grande vitória do nosso Clube deixou no meu coração azul, não posso relatar experiências pessoais vividas nesse dia no Jamor, apenas dar conta do turbilhão de sentimentos que, nessas horas quase intermináveis, tomou conta da alma de um belenense em exilo voluntário.

Não conseguindo pensar noutra coisa, mas não tendo sequer coragem para ligar o rádio (nessa altura a Comunicação Social desportiva dava já os primeiros passos no sectarismo e falta de profissionalismo que hoje, infelizmente, a caracterizam) saí de casa com a Rosa Maria e fomos dar uma volta. Com o “bichinho” a roer, não resisti a ligar o rádio do carro à porta de um centro comercial em Benfica; estávamos a ganhar 1-0. Dei por mim aos saltos, no meio de uma praça, com toda a gente a olhar para o “maluquinho”.

Depois de “lamber” algumas montras, sem conseguir ver sequer o que lá estava, voltámos para casa. O tal “bichinho” obrigou-me a voltar a ligar o rádio. Balde de gelo: o jogo estava empatado 1-1. Botão no off, que os nervos não são de aço! Não faço ideia do que inventei entretanto para fazer – há travessias do deserto de alguns minutos que duram uma eternidade. O “bichinho” acaba por levar a dele avante: ouço em directo aquele pontapé livre do meio da rua que o Juanico ofereceu à glória eterna do Belenenses! Não aguento mais; há aqui outro lapso de tempo, um vazio absoluto na minha memória.

Mais tarde ligo a televisão. A vitória está consumada, confirmada pelo resumo de 30 segundos que o “écran” me deixa ver. Se tivesse sido ao contrário o “resumo” teria durado a noite inteira. Mas não foi. A Taça é nossa!

Já à noite, saio de casa para festejar. Nessa altura ainda ninguém se tinha lembrado de colonizar o Marquês de Pombal para comemorar vitórias desportivas. Nós nem sequer precisamos, temos a nossa estátua própria…

Vou para o meu bairro, vou para Belém. Os vestígios de festa são quase indetectáveis, mas estão lá, numa Belém praticamente deserta. Em casa do meu padrinho, bebe-se campagne; na Calçada do Galvão há uma bandeira do Belenenses à janela da casa da minha madrinha velha; nos Pastéis de Belém, dois lampiões bêbados descarregam a sua azia em cima do pobre empregado que os atende…

Paro o carro na Praça Afonso de Albuquerque. Saio, a Rosa Maria fica à minha espera. No jardim, completamente deserto, olho para a estátua e lembro-me do que desde miúdo me ensinaram sobre o seu significado. Sozinho, em lágrimas, dou lentamente uma volta completa à estátua do Afonso de Albuquerque. Senti finalmente que tinha ganho a Taça!

Entrei no carro, dei um beijo à Rosa Maria e arrancámos para casa. Era um homem feliz!

Não posso voltar a dar um beijo à Rosa Maria. Mas posso, e quero, voltar ao meu bairro para festejar. Quero voltar a chorar de alegria pelo Belenenses, como neste momento estou a chorar de saudade pela Rosa Maria. Quero dar outra volta à estátua do Afonso de Albuquerque. Mas não quero estar sozinho…



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