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O azul que não se expande



Por Homero Serpa



O Belenenses atrasou-se, não teve futurólogos nos antigos quadros, não levedou projectos de futuro e, hoje, debate-se com o grave problema da exiguidade das suas instalações em relação ao número crescente dos desportistas que o representam e outros que pretendem representá-lo. De certo modo, compreende-se a suposta falta de visão e do seguimento de velha máxima governar é prever, porque nunca o clube viveu tranquilidade financeira suficiente para na estabilidade criar objectivos inovadores, como seria o caso de se expandir além do Restelo enquanto isso era relativamente fácil. Aliás, não se pode dizer que o Sporting e o Benfica tivessem assumido esse tipo de expansão atempadamente; mas o Sporting já lançou a sua Academia, há algum tempo, e o Benfica concretiza ideia semelhante, simplesmente existe uma diferença muito grande em potencialidade financeira entre o Belenenses e os seus irmãos mais velhos, motivo mais que suficiente para deixar aos homens do Restelo uma solução imaginativa embora o tempo que vivemos seja de materialismo lapuz e este cultive a destruição de tudo quanto aparente idealismo, companheirismo e virtude moral.
O Belenenses, há poucos anos, pensou na expansão do seu espaço no concelho de Oeiras, era uma boa solução aliviar o saturado Restelo com uma unidade desportiva às portas de Lisboa, mas o terreno pertencia a um número enorme de proprietários, negociar com eles revelava-se tarefa ciclópica mesmo em relação aos construtores civis, em princípio dispostos a criar a área desportiva pretendida pelo Belenenses mas a troco da edificação de mais uma aldeia de cimento dentro do concelho.Morreu a iniciativa mas não sei se a ecologia ganhou alguma coisa com isso.
O Belenenses não perdeu a esperança de resolver o problema da falta de condições que o seu crescimento lhe coloca. Já pensou no concelho de Sintra, que tem um presidente desportista, eticamente bem formado, e que não simpatiza com a ideia de que progresso é construção, mas apesar de o clube pretender um lugar onde pratique a formação, substituindo-se, como muitos outras colectividades, aos deveres do Estado, não será fácil encontrar esse espaço dispondo apenas de boas intenções.
Subsiste no consciente e no coração dos belenenses a hipótese Salésias, onde o clube escreveu bonitas páginas da sua história. E lá estamos nós a percorrer os caminhos azuis da esperança que dificilmente atravessam a época asselvajada, a sarcástica charavasca onde as boas intenções não criam raízes. Há ali, no velho campo de futebol que as novas gerações não conheceram, uma área aparentemente abandonada mas todos sabemos que para a cobrir existem projectos imobiliários, para variar!, razão óbvia do desespero dos clubes interessados em a aproveitar—Belenenses e o seu vizinho-irmão Casa Pia.
Ainda no meio duma semana, durante um encontro casual no Restelo, Cabral Ferreira me falou das Salésias como o lugar ideal de um eventual complemento das instalações do clube, é evidente que sim, o Belenenses criou-se nas Salésias, as Salésias, em particular no sentir das pessoas que a frequentaram, ainda são um lugar de culto clubista, mas, meus amigos, os sentimentos azuis deparam-se com a anodinia vulgar em determinados indivíduos. E o desejo, a ansiedade de voltar a um sítio histórico parece-me com uma sisma.
Entretanto, acumulam-se as dificuldades na gestão dos espaços, só o complexo de piscinas, pela sua especificidade, consegue orientar-se nesse sentido.
O pavilhão não chega, os campos de futebol ainda menos, as limitações ao trabalho dos treinadores, professores, instrutores, estão cada vez mais condicionadas aos horários possíveis, o Restelo rebenta pelas costuras. Trata-se de uma situação paradoxal por limitar a expansão de um clube na área da formação essencial ao indivíduo, em primeiro plano, e depois ao desporto, mesmo ao de competição.
Nestes casos defendo a intervenção das autarquias, até do Estado, na aquisição de instalações desportivas, que representaria a sua participação numa acção social importante, sabendo-se como se sabe que o desporto regular pode ocupar os jovens, afastando-os de nocivas actividades. Claro que, defendendo a comparticipação do Estado e das autarquias na formação dos jovens em simbiose com os clubes, não quero dizer que aceite as latitudinárias distribuições de verbas por alguns emblemas com o fim de adquirirem jogadores de futebol, uma prática que os portugueses, na maioria, não aceitam mas são violentados a aceitar.
Abro parágrafo com o apreço que sinto pelas selecções nacionais, isto porque gosto de futebol e as selecções proporcionaram-me essa alegria. Dá gosto ver futebol puro, bonito, interessante, ainda para mais desnamorado dos clubismos doentios, incólume ao lanceamento manobrado por diversos interesses, limpo. O velho, estimado, às vezes vilipendiado, association renasce na sua essência e dignidade quando é praticado da forma como o vi nas transmissões televisivas. A equipa de todos nós justifica, cada vez mais, a feliz legenda de Ricardo Ornelas: só os homens de má vontade lhe encontram defeitos, se sentem amargurados com os seus êxitos, se marginalizam, mas, enfim, de aberrações está o nosso país cheio.



* Crónica de Homero Serpa, no jornal "A Bola

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