Ora cá está o que penso: Meyong foi pretexto para golpe palaciano
Em entrevista a O JOGO, Carlos Janela revela pormenores da sua saída do Belenenses, na sequência do caso Meyong, expressando também confiança na não-penalização dos azuis.Pode explicar as circunstâncias do caso Meyong, que conduziram à sua saída do Belenenses?
As razões de fundo que levam à minha saída do Belenenses não decorrem do caso Meyong, mas sim, sobretudo, do ambiente de conspiração, das acções subversivas e problemas existentes no seio da Direcção e da Administração [da SAD]. Esses conflitos eram evidentes e só não se tornavam graves, porque eu e o treinador Jorge Jesus éramos um obstáculo a interferências no futebol profissional. Tínhamos o futebol profissional blindado, e havia pessoas que não toleravam essa situação devido à sua sede de protagonismo. Dessa forma, interesses estranhos levavam-nas a conspirar contra a figura do presidente, num processo miserável. O caso Meyong apenas foi um pretexto para essas pessoas tentarem assaltar o lugar do presidente do Belenenses.
Quando fala em pessoas a tentarem tomar de assalto o futebol, a quem se refere?
Não falo de nomes, mas quero que os sócios do Belenenses percebam o que aconteceu, porque, acima de tudo, tenho de preservar a minha reputação profissional e dignidade.
Se pudesse voltar atrás, continuaria a colocar o seu lugar à disposição?
Logo que me apercebi da situação, tive uma conversa com o presidente e disse-lhe que, no âmbito das minhas responsabilidades, e se o Belenenses viesse a ser penalizado, eu poria o meu cargo à sua disposição, mas, ao mesmo tempo, também lhe disse que era necessária uma posição que revelasse coesão interna e que montássemos uma estratégia, pois estávamos longe ser penalizados. A grave irresponsabilidade da minha demissão e o caso Meyong foram apenas pretexto para um golpe palaciano.
Tinha, já nessa altura, confiança em que o Belenenses poderia não ser responsabilizado neste caso?
Eu não tinha dúvidas que não tinha sido eu ou o Belenenses a autorizar o atleta a jogar. O processo Meyong teve a tramitação normal de qualquer transferência internacional, e, em todas as etapas, Meyong foi habilitado e licenciado para jogar oficialmente. Ao assumir as minhas responsabilidades, sabia exactamente a dimensão de qualquer eventual culpa. Não estava era à espera que houvesse um aproveitamento interno da situação e igualmente não esperava que FPF e Liga se escondessem e não assumissem igualmente as suas responsabilidades. Não tenho dúvidas de que, se tudo correr conforme os regulamentos em vigor, o Belenenses não será penalizado. A Liga tem uma oportunidade única para mostrar que é efectivamente o órgão responsável pela competição profissional em Portugal. Não acredito que a Comissão Disciplinar da Liga siga por caminhos fora dos regulamentos e que ponham em causa a sua integridade, enquanto órgão disciplinar de uma competição profissional. Julgo que o desfecho será uma absolvição do Belenenses.
Sentia haver "anticorpos" contra si no Restelo?
Todos os directores-desportivos têm sempre obstáculos a contornar, pois um dos primeiros mandamentos deste cargo é blindar a área do futebol. Isso, aos olhos de dirigentes de menor seriedade e menor competência, causa sempre grandes incómodos. Eu sabia que havia pessoas que, por conhecerem um ou dois empresários, se julgam no direito de interferir na gestão desportiva, mas comigo, nessa gestão, só interferem o presidente e o treinador…
Quer dizer que há pessoas ligadas à SAD com interesses pessoais?
Só por motivações meramente pessoais se põe em causa responsabilidades e compromissos do clube. Toda a gente já percebeu que a minha saída foi um acto de precipitação e de grande irresponsabilidade, porque foi aparentemente confessada uma culpa pública que realmente não existe. A minha saída apenas serviu para alguns dirigentes no Belenenses controlarem o poder no clube.
"Presidente não esteve à altura"
Acha que Cabral Ferreira devia tê-lo defendido mais?
O presidente do Belenenses não esteve à altura da dignidade dos meus actos e da minha postura. Não conseguiu resistir a algumas pressões e não percebeu que alguns dos seus vice-presidentes visavam, por um lado, derrubá-lo a ele e, por outro, criar um bode expiatório no caso Meyong. Passados estes dias, verifica-se que as pessoas do Belenenses vêm a público mostrar-se muito esperançadas num desfecho favorável deste caso. Então, porque fui demitido? Tudo o que se seguiu comprova que o caso Meyong apenas serviu para alguns assumirem posições que possibilitem alguma visibilidade para as próximas eleições.
Atribui responsabilidades ao presidente neste caso?
É óbvio que sim. Neste processo, houve duas fases, a da contratação e a da inscrição. O presidente deveria ter contado com o meu apoio e do gabinete jurídico desde o início deste processo. Não o fez e apenas nos entregou o processo na fase de inscrição. Eu deveria ter questionado o trabalho feito na fase da contratação, mas, por confiança hierárquica, não desconfiei e devia ter desconfiado. Por isso, dei seguimento ao processo com a estreia do jogador frente à Naval, devidamente autorizado pela Liga e pela Federação Portuguesa de Futebol. Estou muito bem com a minha consciência e pretendo continuar a ajudar o Belenenses a esclarecer este caso. E não será nenhum caso Meyong que vai perturbar a minha carreira ou forma de estar na vida. Tenho os meus princípios, e a única coisa que me poderia diminuir era não ter sido fiel a eles. A minha integridade manter-se-á intocável.
"É irresponsabilidade adiar as renovações"
O Belenenses tem vários atletas em fim de contrato e outros cedidos que deixam o clube no fim da época. Enquanto ex-responsável pelo futebol, o que poderia ter feito?
O dossiê mais complicado que recebi foi o dos chamados casos pendentes. É incompreensível que, numa era pós-Bosman, os activos mais valiosos de uma SAD não tenham os seus processos definidos antecipadamente, como é o caso de alguns jovens internacionais…
Rolando e Rúben Amorim...
Sim, os quais deviam ter a sua vida definida dois anos antes de terminarem contrato. É o mínimo que se exige de uma gestão desportiva credível.
O que tentou fazer para "segurar" os jogadores?
Tentei, até ao limite do possível, a renovação, mas, quando os atletas entram no último ano de contrato, esse ano corresponde apenas a seis meses, pois, nos últimos seis, pode assumir compromisso com outro clube. Deixar para renovar nos últimos meses os activos mais valiosos é, no mínimo, uma irresponsabilidade. Tudo tem de ser feito com dois anos de antecedência, pois, se o jogador mostrar exigências económicas acima da capacidade do clube, é o tempo certo para o vender; se renovar, a situação fica completamente blindada.
Ambos são casos perdidos para o Belenenses?
Não quero antecipar cenários. Toda esta ausência de estratégia tinha de ser reconvertida, e eu ia tentar invertê-la. O Belenenses é um grande desafio. Hoje, o clube tem um treinador de grande qualidade, que formou um grupo com qualidade futebolística e profissionalismo, sendo visíveis as prestações desportivas e a valorização dos jogadores, mas uma SAD que não seja capaz de se proteger da normal valorização dos seus activos terá sempre problemas acrescidos.


8:58 a.m.


































