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Finais infelizes



O tema que escolhi para hoje envolve dois episódios marcantes na vida do nosso Clube, sobre os quais já “correu muita tinta” (inclusive virtual): a questão das Salésias e o caso “Paulo Madeira”. A ocasião é tanto mais propícia porquanto estes tópicos terão sido objecto de esclarecimentos na última Assembleia Geral do Belenenses (Clube).

E foi com alguma tristeza que constatei que se tornaram assuntos encerrados... em prejuízo do Belenenses. Quando falo em “prejuízo” não quero valorizar se as soluções encontradas foram boas, menos boas, as melhores que se podiam encontrar... ou más. Quando falo em prejuízo lembro que a intenção do Belenenses era obter - com toda a legitimidade - a devolução das Salésias e por sua vez devolvê-las à prática desportiva, corrigindo na medida do possível os males da enganosa e mal-intencionada expropriação. Quando falo em prejuízo lembro que o Belenenses percorreu todo um longo calvário em instâncias jurídicas vendo de cada vez e cada vez mais legitimada a razão que lhe assistia para reclamar o pagamento de mais de 1 Milhão de Euros pelo caso “Paulo Madeira”.

Começemos por este último (o caso “PM”). O caro Luís Oliveira publicou neste blogue a 29 de Setembro um extenso e pormenorizado artigo sobre todos os passos que foram sendo tomados ao longo dos anos bem como as expectativas criadas pelos próprios responsáveis azuis, nomeadamente pelo ex-Presidente Ramos Lopes (ver o artigo). Nessa altura, ao ter sido anunciado o acordo com o Benfica, surgiam as dúvidas. Seria um bom acordo? Dúvidas que terão sido desfeitas nesta última AG.
Se o montante devido (dívida estipulada judicialmente acrescido de juros de mora sobre esse total) ascendia a cerca de 1 500 000 Euros, sabemos agora que foram aceites e recebidos apenas cerca de 600 000 Euros, ou seja, menos de metade. A justificação oficial do Clube foi que, tendo sido consultados vários juristas (um dia gostaria de saber quantos e quais), se chegou à conclusão que o processo poderia ser ainda bastante demorado (sendo passível de vários recursos) e com desfecho incerto para o Clube. Assim sendo optou-se por abandonar a via jurídica e chegar a um acordo “por fora”, bem ao estilo da nossa economia paralela. Fechar a coisa pela metade deveu-se, segundo dizem, ao facto de ser a forma habitual nestes casos.
Numa perspectiva económica podemos ver a coisa assim: as expectativas do Belenenses em ganhar o caso passaram a ser pouco maiores, iguais ou mesmo inferiores a 50%. O que é mais fascinante é que o Benfica, que dizia não ser obrigado a pagar NADA, lá aceitou (e seguramente promoveu o acordo). E porque terá aceite este acordo quando apregoava não ter de pagar nada, supostamente com toda a razão do mundo e arredores? Será que, ao contrário dos “azuis”, aperceberam-se que as hipóteses de perderem o caso aumentaram significativamente? Uma coisa é certa, se pagaram, confessaram a culpa. E se confessaram a culpa...



Tudo se resolve quando existe "amizade" e "respeito"...
(imagem do filme "O Padrinho")

Enfim, um final infeliz. Bem, tendo em conta os níveis de cumprimento dos encarnados, é minimamente satisfatório saber que já tudo foi descontado em 2004. Do mal o menos. No meio disto tudo o aspecto que ainda considero mais caricato é o grande zelo em esclarecer que os negócios de jogadores emprestados não estiveram inseridos no acordo, enquanto dois jogos “amigáveis” o estão. Convidámos "litigantes de má-fé" para um jogo de aniversário condenado a fraquíssima assistência e sem transmissão televisiva. Será uma gorjeta? Talvez, quem presta bom serviço merece gorjeta...

Passamos agora ao assunto “Salésias”. Sobre ele também aqui já se escreveu. Logo no meu primeiro artigo neste blogue descrevi muito sumariamente todas as tropelias e malvadezas infligidas pelos poderes públicos com o fim de diminuir o Belenenses, consubstanciadas na expropriação do belíssimo e pioneiro Estádio José Manuel Soares (as Salésias, ver o artigo). Pouco tempo depois foi a vez do Luís Oliveira pegar na “deixa”, com um artigo fundamentado sobre as reais possibilidades de reaver as Salésias (ver o artigo). No fundo tratou de justificar aquilo que chegou a ser promessa eleitoral. Mas afinal ficámos, não com a devolução, mas com uma tentativa.



O que resta das Salésias hoje em dia

(fotografia do autor)

Relembro aqui uma citação publicada no jornal "O Jogo" na sequência de uma outra Assembleia Geral no início do ano corrente:
"Sequeira Nunes, presidente da Direcção do Belenenses, revelou ontem na assembleia geral de sócios do clube que irá deixar o cargo no final da época desportiva, não completando por isso o mandato para o qual foi eleito, e que terminava em Maio de 2005. A decisão do presidente dos azuis foi tomada, segundo o próprio, pelo facto de a sua Direcção ter conseguido cumprir aquilo a que se propôs: 'Estou crente de que as Salésias vão regressar ao Belenenses no final da época desportiva de 2003/04, e também acredito que os outros dois objectivos do meu mandato, ou seja, as obras do Restelo e o projecto imobiliário, estarão concluídos.'"

Numa coisa dou muito crédito ao Presidente Sequeira Nunes. Com toda a razão afirmou - nesta última AG - que foi esta Direcção mais que qualquer outra (senão mesmo a única nas últimas décadas) a “ressuscitar” o assunto e a pugnar pela devolução junto das entidades competentes. Exemplo disso foi a invocação por ocasião do 84º Aniversário do Clube em 2003 em que o plantel principal realizou um treino simbólico no pelado em que se tornou o mítico estádio (sim, não era apenas um “campo”). Tomo a liberdade de citar a notícia do Record:

“(...) teve lugar uma singela homenagem (em que todos expressaram o desejo de voltar a pôr em funcionamento o antigo campo ao serviço do clube e da escola), na qual discursaram Sequeira Nunes, presidente do clube, Catalina Pestana, provedora da Casa Pia (proprietária do terreno, o qual está junto à escola Marquês de Pombal), Abílio Morgado, secretário de Estado da Educação, e Pedro Feist, vereador do Desporto da CM Lisboa.
O líder dos azuis começou por admitir que estava "contente por voltar uma vez mais às Salésias", esperando que o projecto de recuperar as Salésias se concretize. A terminar, Sequeira Nunes, visivelmente emocionado, disse: "Pode não ser hoje ou amanhã, mas um dia voltaremos às Salésias."
Catalina Pestana confessou a sua simpatia pelo Belenenses, a qual foi incutida pelo pai, "um militante confesso", e adiantou que será possível voltar a pôr as Salésias em condições de funcionamento, tanto mais que o vereador do Desporto, Pedro Feist, se comprometeu a arrelvar o antigo campo. A ideia de recuperar as Salésias foi igualmente bem aceite por Abílio Morgado, titular da pasta da Educação.”

Tendo tudo isto em conta, ou seja, tendo em conta as grandes expectativas alimentadas até há bem pouco tempo pelos diversos intervenientes, como encarar agora a notícia de que as Salésias vão ser sacrificadas (outra vez?) a um projecto imobiliário (outro?) em benefício quase exclusivo da Casa Pia, aparentemente promovido pelo Ministério da Educação, aparentemente já aprovado (!) e agora provavelmente comunicado pelo Presidente da Câmara Municipal de Lisboa? Sem entrar em politiquices, note-se que a côr dos titulares dos orgãos em causa não mudou... Ou será que as boas intenções ficaram com Pedro Feist ou Abílio Morgado (que entretanto abandonaram os cargos)? Ou será que - com grande probabilidade - enquanto uns diziam que "sim", outros tratavam da passar à prática o "não"? Sim, porque a aprovação de planos de pormenor no âmbito de um PDM relativamente rígido (e por sua vez estabelecido há 2 anos, salvo erro), não é coisa ligeira... ou estarei enganado? Não estaria este destino das Salésias traçado há muito? Se assim foi, como passou ao lado de tanta gente tão empenhada?
Em suma: as palavras e intenções do dia 23 de Setembro de 2003 foram VÃS! E o Belenenses, uma vez mais, o enganado. Mais uma vez, um final infeliz...

Segundo o nosso Presidente, ao Belenenses bastará (ou restará) agora dispôr de um espaço nessas novas instalações, para poder recordar e perpetuar a memória das Salésias. É uma intenção bonita, mas... o que será concretamente? Uma salinha com a actual placa toponímica mais umas quantas fotografias? Algum monumento? Não consigo imaginar nem perceber muito bem para quê...


A placa que assinala a existência das Salésias
ou Estádio José Manuel Soares (designação pelos vistos esquecida)
(fotografia do autor)

Apesar de tudo isto devo dizer que fico de certa forma aliviado pelo facto de saber que vão acabar de vez com o que resta das Salésias. Heresia? Mesmo para aqueles que, como eu, nunca viram o antigo Estádio, o actual cenário não deixa de ser imensamente triste e deprimente. Então para aqueles que viveram tantas emoções fortes naquele espaço... não conseguem conter as lágrimas, já os vi. Acabe-se então com esta maldição antiga. “Enterrem-se os mortos e cuidem-se dos vivos”, cuide-se do Restelo, que também já nos tentaram tirar. E lembrem-se, as palavras de um vereador, de um secretário de Estado ou de um Presidente de Câmara têm validade certa. Basta chegarem os sucessores. E tudo isto começou porque a um determinado antecessor não agradou a nossa conquista do Campeonato em 1945/46*...

Fica talvez a "mística". Essa vive nas memórias, nos relatos e fotografias. Ou como escreveu Homero Serpa (curiosamente a propósito do treino simbólico de 2003):

"Sobre o chão das Salésias flutua a alma do Belenenses. Pode ficar como está, místico e aparentemente abandonado, podem lá construir qualquer espécie de edificação mas aquele terreno será belenense até ao fim dos séculos. "

* - data de 1947 o primeiro aviso da CML sobre um vago projecto de urbanização da CML... que nunca se veio a concretizar! Isto embora a expropriação só fosse consumada em 9 de Setembro de 1956. A demolição das bancadas só foi concluída em 1961 (salvo erro). As novas instalações da Escola Secundária Marquês de Pombal, inauguradas poucos anos mais tarde, ocuparam apenas parcialmente o espaço do antigo recinto desportivo (que incluía já um pavilhão e campo de treinos). Curiosamente o espaço que correspondia ao estádio em si apenas foi afectado por... um bairro de lata (onde era o antigo peão) e uma vaga rua de acesso (onde era a bancada principal). Nem a já referida escola, em todos estes anos, conseguiu que o campo fosse reactivado e devidamente aproveitado para actividades escolares...

P.S.: Infelizmente e por motivos alheios ao blogue tenho de anunciar o que eu espero ser um "até logo". Ontem decidi cessar a minha participação regular no Canto, não sem antes agradecer a oportunidade dada pelo Luís Oliveira mas também saudar o Abel e o Pedro, todos impecáveis co-redactores e companheiros de velhas andanças na "Net Azul". É uma bela equipa que soube elevar a qualidade deste espaço com resultados visíveis. Gostaria que continuassem assim.
Por outro lado gostaria de agradecer aos leitores que amavelmente expressaram o seu apreço pelo meu contributo neste blogue. Não foram muitos, é certo (foram mesmo muito poucos), mas são bons. De qualquer forma esta nunca deveria ser uma razão para esta "paragem" (repito, os motivos não estão relacionados com o blogue em si). Entre os cumprimentos recebidos agradaram-me particularmente os de adeptos de outros clubes, realçando o "fair-play"/desportivismo com que aparentemente terei escrito alguns dos artigos. Obrigado a eles também!



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